sexta-feira, 9 de abril de 2010

A história do Trio Carioca de Radamés.

Radamés Gnattali foi um compositor singular, sua obra, de grande complexidade, reuniu matizes populares e eruditas em uma extensa e seleta série de peças para diversas formações instrumentais. Sua atuação na radio como compositor e arranjador, além de sua intensa atividade como pianista, sendo responsável por diversas formações e grupos instrumentais, somada a sua grande influência entre os músicos da época, o consagrou como uma importante referência para a musica instrumental brasileira, que ele a propunha de forma séria, porém cercada de elementos brasileiros e populares.

O contexto do Rio de Janeiro da década de 30 era também singular, a radio começava a dar seus primeiros passos e a musica popular não tinha ainda referências bem definidas, sendo o choro e o samba, gêneros ainda em formação que conviviam com a forte influência do jazz americano que se expandia pela America. Os músicos que por aqui trabalhavam viam o campo da musica profissional se expandir de forma contundente e necessitavam por isso de novas perspectivas e de referências musicais firmes que os levassem a uma posição de destaque neste novo cenário.

Foi neste contexto que nasceu a proposta do trio carioca, um dos vários grupos liderados por Gnattali que tinha sempre Luciano Perrone na Bateria, e que contava um excepcional solista ao clarinete, um dos mais requisitados da época, Luis Americano. O trio atuou durante todo o ano de 1937 em diversos programas na Rádio Nacional. Sendo os integrantes já bastante conhecidos do meio musical, o grupo foi batizado por mister Evans, diretor da gravadora RCA Victor, de Trio Carioca, inspirado no sucesso mundial do trio de Benny Goodman (clarinete), com Gene Krupa (bateria) e Teddy Wilson (piano).

Luciano Perroni conheceu Radamés Gnattali em 1929, com quem teve classes de piano e aprofundou seus conhecimentos musicais. "Foi por causa das aulas dele que eu pude tocar tímpano em um concerto sinfônico em 1932." O aprendizado seguiu evoluindo, assim como a parceira musical, tanto que anos depois Luciano tornou-se o primeiro timpanista da Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC.

Perroni era enfático ao defender que os bateristas brasileiros não deveriam copiar os modelos estrangeiros e sim encontrar uma linguagem que refletisse, na bateria, a diversidade da música brasileira. "Eu nunca me preocupei em imitar o Gene Kruppa porque o que me interessava era o batuque do samba." Gene Kruppa era baterista da big band e do trio de Benny Goodman, e um dos mais famosos instrumentistas americanos da chamada era do swing - o jazz dançante das décadas de 1930 e 1940.

Luis Americano também propunha uma linguagem brasileira em seu instrumento, tanto no improviso quanto na sonoridade e trouxe isto de forma contundente a todos os trabalhos dos quais participou. Conhecido por sua grande capacidade de improvisação e interpretação que emprestava aos diversos trabalhos do quais fazia parte e que caracterizava de forma marcante sua carreira solo, Americano contribuiu de forma decisiva para a construção da sonoridade peculiar do trio.

Nas gravações do conjunto, Luis Americano se utilizava de recursos técnicos até então incomuns ao gênero, tal como um longo trinado acrescido de um frulatto na região mais aguda do instrumento, o que provocava um efeito bem interessante. Este recurso foi executado sem nenhuma intenção melódica o que nos faz pensar em uma resposta de Americano a uma sugestão particular de Gnattali, e que se enquadrou perfeitamente a sonoridade produzida. A contribuição de Perroni, igualmente inovadora, trouxe nas levadas de sua bateria, instrumento até então pouco explorado na musica brasileira, e no seu improviso a cadência do samba e do choro. Somando isto, as composições, arranjos e linhas instrumentais criadas e executadas por Gnattali, que possuíam um caráter ao mesmo tempo erudito e jazzístico, deram ao trio uma sonoridade única.

Contudo a intensa atividade profissional de seus componentes e principalmente, de seu líder e idealizador, que assumia nesta época a função de principal arranjador, compositor e regente da Radio Nacional, impediram uma maior continuidade ao trabalho do grupo, resumindo a sua produção ao ano de atuação na radio nacional e as duas gravações pela Victor, dos choros Cabuloso e Recordando ambas composições de Radamés Gnattali. Estas musicas assim como outras gravações anteriores que Gnattali executou pela mesma gravadora, caracterizaram um período de experimentação importante para o autor e para a musica brasileira. São estes os únicos registros deste período inicial, antes de Gnattali assumir, como compositor de musica popular, o pseudônimo “Vero” e da musica popular, mais particularmente o choro, assumir formas mais rígidas, caracterizadas pela formação e sonoridade típicas do regional, formato até hoje utilizado e que se firmou como uma referência quase absoluta.

Rafael Velloso

Saxofonista do Trio Cabuloso


LINKS INTERESSANTES:

http://www.youtube.com/watch?v=O_h-saU6gNA Video com o trio de Benny Goodman que inspirou o trio carioca

WWW.RADAMESGNATTALI.COM.BR Biografia do autor e acervo de partituras

www.ims.com.br acervo de fonogramas do periodo descrito bem como pode-se encontrar as musicas mencionadas no artigo.

Um comentário:

  1. O terceiro link sobre as musicas no IMS saiu do ar. O endereço do site para quem quiser consultar diretamente as bases do acervo de fonogramas é www.ims.com.br. É so clicar em acervo, musica e inserir os nomes cabuloso ou recordando.

    Rafael Velloso
    saxofonista e etnomusicologo,
    www.rafaelvelloso.com.br

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