quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A música bioquímica do Hamilton de Holanda Quinteto.

Lembro perfeitamente do dia em que, ouvindo rádio, pensei: “Perdi! Nunca mais vou ouvir música daquele jeito”. Um músico passa tantas horas com a música, tentando se misturar àquela massa de sons e tempos e alturas e durações e silêncios e emoções, que dificilmente vai conseguir ouvir música como um não-músico. A intimidade muda os melhores relacionamentos, pra melhor ou pior. Com a música não é diferente.

A intimidade faz com que vc nunca mais seja capaz de ser tocado por uma música diferente daquela que vc considera boa. A intimidade faz a gente perder a emoção fácil, o encantamento do início da paixão. A proximidade faz a gente ver defeitos. Nunca mais ouvir uma balada açucarada e se emocionar, nunca mais chorar com uma canção boba que toca no rádio e desarma a gente. Adquirimos conceitos demais, julgamentos, imagens, um monte de besteiras e de coisas sérias. Viramos uns guardiões chatos da música que achamos que é a música boa. Achamos, pretensiosamente, que agora sabemos o que é música, que estamos do lado de lá. Nunca mais o gozo múltiplo regido por solos hiper técnicos, por malabarismos musicais e notas jogadas fora pra se varrer do palco ao fim do espetáculo, notas em vão.

Mas a intimidade também faz com que a música vire um delicioso prato exótico, colorido, perfumado, cheio de texturas e temperaturas diferentes, dado aos paladares treinados para o detalhe, para os jardins secretos que a música esconde. Jardim de delícias íntimas, intransmissíveis a não ser por música. É o nosso segredo, nosso prazer solitário, nossa extra-sístole, nossa micro-circulação, nossa linfa.

A musica do Hamilton de Holanda é uma música bioquímica. Ela se mistura aos humores do ouvido, entra pelos sete buracos da cabeça, pelos sete chacras, penetra os confins do cérebro e dispara circulação adentro como um tiro entorpecente, uma poção poderosa que toma e eleva todo o corpo em poucos minutos. Dela brotam todos os velhos choros e risos. Nela moram todos os encantos do descortinamento da beleza. Os olhos pedem pra fechar, mas também querem ver aquele gigante mitológico que é o Hamilton, empunhando sua arma hipnótica, com o qual laça e arremata a plateia embevecida, incrédula e apaixonada. Bocas abertas, olhos fechados, casais abraçados, meninos calados. Todos se curvam ante a postura entregue, sem afetação, do HH Quinteto. Músicos que tocam música, esporte de equipe, frescobol. Não há adversários, só comparsas, correligionários. Todos jogam pra música ganhar. Dos olhos brotam lágrimas, o coração palpita. Podemos sorrir outra vez.

A música do Hamilton de Holanda Quinteto lava a minha alma. A minha e a de todos nós, que amamos a música e todo o seu universo de maravilhas e que, humildemente, suplicamos que ela nos aceite em seu colo generoso e nos embale a vida pra sempre.
Andrea Dutra
cantora

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